Tarifaço é ineficaz até para americanos, diz economista de Harvard



Foto: Reprodução/Instagram
O presidente dos EUA, Donald Trump 23 de agosto de 2025 | 17:15

Tarifaço é ineficaz até para americanos, diz economista de Harvard

O “tarifaço” promovido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra parceiros comerciais é uma política ineficaz até mesmo para os americanos, de acordo com o professor e economista da Universidade de Harvard Dani Rodrik. Segundo ele, as sucessivas taxações sobre produtos que chegam aos Estados Unidos, uma das principais políticas externas de Trump, não servem para incentivar a economia americana, tampouco para garantir melhores empregos para os próprios americanos.

“Há uma boa chance de que, no final das contas, isso seja autodestrutivo”, diz Dani Rodrik.

Rodrik é ganhador de inúmeros prêmios e, atualmente, é codiretor do Programa Reimagining the Economy, na Kennedy School, e da rede Economics for Inclusive Prosperity. Entre 2021 e 2023, foi presidente da Associação Econômica Internacional, na qual ajudou a fundar a iniciativa Mulheres na Liderança em Economia.

Nesta semana, o economista participou do seminário Globalização, Desenvolvimento e Democracia, realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Open Society Foundations, na sede do BNDES, no Rio de Janeiro.

Dani Rodrik fez duras críticas à política adotada por Trump. Segundo ele, os objetivos alegados pelo presidente, como a reconstrução da indústria americana e o fortalecimento da classe média, não serão alcançados com tarifas de importação.

“O problema com a América de Trump não é o nacionalismo econômico, é que Trump não está adotando políticas que sejam nacionalistas o suficiente. Na verdade, não apenas não está claro de quem é o interesse, mas posso dizer que não está servindo ao interesse econômico americano”, afirma.

Os produtos do Brasil estão entre os alvos de Trump. No último dia 6, entrou em vigor a tarifa de 50% imposta sobre parte das exportações brasileiras para o país norte-americano. Segundo o governo brasileiro, a medida, assinada no dia 30 de julho, afeta 35,9% das mercadorias enviadas ao mercado norte-americano, o que representa 4% das exportações do Brasil.

Cerca de 700 produtos foram incluídos em uma lista de exceções que não sofrerão a sobretaxa. Para reduzir o impacto aos demais produtores nacionais, foi divulgado o Plano Brasil Soberano, no último dia 13.

Dani Rodrik explica que, ao taxar os produtos, pode-se até aumentar a arrecadação ou mesmo o lucro das empresas americanas, mas isso não necessariamente será revertido em empregos de qualidade e bem remunerados aos americanos ─ o que poderia fazer com que a qualidade de vida da população, sobretudo da classe média, melhorasse.

“As tarifas apenas aumentam a lucratividade de certos segmentos da manufatura. Agora, quando algumas empresas se tornam mais lucrativas, elas necessariamente inovam mais? Elas necessariamente investem mais? Elas investem mais em seus trabalhadores? Elas necessariamente contratam mais trabalhadores? Elas tentam ser mais competitivas? Todas essas coisas boas não estão diretamente ligadas ao fato de que, agora, elas estão ganhando mais dinheiro, porque você também pode reverter os lucros maiores aos gerentes ou acionistas”, diz.

Para ele, as tarifas, quando adotadas pelos países, devem ser medidas temporárias e devem ser associadas a ações internas que estimulem a economia.

“As tarifas são um expediente temporário, um escudo temporário, mas não são o principal instrumento pelo qual você atinge esses objetivos, porque, para isso, não são muito eficazes”, diz. “Os impostos podem ter um papel a desempenhar, mas o papel que desempenham seria, na melhor das hipóteses, um complemento, sempre que você tiver uma estratégia doméstica ─ seja para proteger certos setores ou políticas sociais, seja para promover a inovação por meio de políticas industriais ou por meio de mais empregos e bons empregos”, acrescenta.

O economista cita a China como um exemplo de modelo de crescimento. “A China tem seguido políticas que promovem seus próprios interesses econômicos nacionais acima de tudo. Mas, como resultado, essas políticas foram, em sua maioria, bem planejadas em termos de crescimento econômico”, defende.

Investimentos no Brasil

Trump também foi criticado pelo presidente do Conselho da Open Society, Alex Soros, que também participou do seminário. A Open Society é uma rede internacional de filantropia fundada por George Soros, pai de Alex.

Soros comentou o fechamento da Usaid, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, que era a principal agência de ajuda externa do governo dos EUA. Segundo ele, as ações humanitárias sofreram “muitos dos cortes mais dolorosos. Agora se sabe que pessoas morreram ao redor do mundo por conta dos cortes da Usaid”, diz.

“Falando como um americano, isso não é um interesse americano”, disse Alex Soros.

Na quarta-feira (20), no dia do evento, a Open Society Foudations anunciou que apoiará iniciativas na América Latina voltadas para populações historicamente marginalizadas, com foco especial em povos indígenas, comunidades afrodescendentes e mulheres. A estratégia terá Brasil, Colômbia e México como foco principal.

A intenção é apoiar, com um plano de investimento com duração de oito anos, organizações da sociedade civil e parcerias com governos para criar conjuntamente políticas públicas que atendam de forma direta às necessidades dessas populações, promovendo acesso a serviços, saúde, meio ambiente saudável, empregos de qualidade e segurança.

Para a diretora Socioambiental do BNDES, Tereza Campello, esses cortes feitos por Trump impactam principalmente os países pobres.

“Nós não temos como enfrentar as desigualdades no mundo de forma isolada, muito menos os países em desenvolvimento e países pobres”, diz. “Eu acho que é muito importante que a gente tenha uma reação dos atores comprometidos com a democracia, que não se fechem no olhar somente da agenda econômica e comercial, mas que passem a olhar o que está em risco de fato”, defende.

Mariana Tokarnia/Agência Brasil



Fonte


Haddad: ‘Tem acontecido um ataque ao BB por bolsonaristas, defendendo saques de valores do banco’



Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad 23 de agosto de 2025 | 20:00

Haddad: ‘Tem acontecido um ataque ao BB por bolsonaristas, defendendo saques de valores do banco’

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou neste sábado, 23, que o Banco do Brasil tem sofrido ataques por parte de bolsonaristas nas redes sociais.

“Tem acontecido ataque ao Banco do Brasil por parte de bolsonaristas na rede social, defendendo saques de valores do banco”, disse em entrevista à TV GGN.

“Há projetos de lei no Congresso para perdoar dívidas do agro, que não está com problemas, no Banco do Brasil. Está aumentando a inadimplência no Banco Brasil por uma ação concertada, uma ação deliberada de bolsonaristas que estão tentando minar as instituições públicas”, afirmou. “O fair play deu lugar para o vale-tudo e isso compromete muito a saúde da democracia brasileira”.

A fala do ministro sobre o BB se deu num contexto de crítica aos juros bancários, que ele classificou como “abuso no crédito” (leia mais abaixo).

O BB vem sendo questionado por seus resultados. No balanço do segundo trimestre, o banco viu seu lucro cair 60% em um ano, o que desagradou investidores do mercado financeiro.

Grandes produtores rurais, especialmente do Centro-Oeste e do Sul, estiveram no centro dos problemas na carteira de crédit odo banco que provocaram uma queda para 8,4% no retorno (ROE, na sigla em inglês) de abril a junho.

Ataques ao Banco do Brasil nas redes

Nesta sexta-feira, 22, o BB afirmou em nota que tem acompanhado o surgimento de “publicações inverídicas e maliciosas” nas redes sociais com o objetivo de gerar pânico e induzir a população a decisões que podem prejudicar a sua saúde financeira. O banco diz ainda que tomará todas as medidas legais cabíveis para proteger sua reputação, seus clientes e seus funcionários.

O banco cita que identificou publicações sugerindo retirada de depósitos do banco por parte dos clientes. “Declarações enganosas ou inverídicas que tenham como objetivo prejudicar a imagem do Banco do Brasil não serão toleradas”, diz o texto.

Na terça-feira, 19, o advogado Jeffrey Chiquini, defensor de Felipe Martins, ex-assessor da Presidência de Jair Bolsonaro, recomendou publicamente nas redes sociais que as pessoas tirem recursos que tenham no banco. “Meu conselho a você que tem conta no Banco do Brasil: tire seu dinheiro de lá”, escreveu na rede social X (antigo Twitter). A publicação, no entanto, foi apagada neste sábado, 23.

Na quinta-feira, 21, ele publicou: “Não é bravata, é realidade: o Banco do Brasil está pisando em terreno arenoso e assumindo o risco de ser sancionado pelo governo americano, podendo sacrificar todas as suas operações internacionais e ser multado em bilhões de dólares”.

A reportagem procurou o advogado, mas não obteve resposta.

Nesta semana, bancos brasileiros, incluindo o BB, viram suas ações desabarem nesta terça-feira, 19, após decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que leis e decisões estrangeiras não se aplicam a brasileiros no Brasil – em meio à tensão sobre a Lei Magnitsky, aplicada pelos EUA ao ministro Alexandre de Moraes.

Moraes teve seu cartão de crédito da bandeira Mastercard, empresa americana, bloqueado, em razão das sanções da Magnitsky. Como mostrou a Coluna do Estadão, o Banco do Brasil, instituição em que o ministro tem conta, ofereceu a ele um cartão da bandeira Elo, que é nacional.

A preocupação dos analistas se deve ao papel que a companhia exerce no meio político. Isso porque o BB é responsável por pagar os salários dos ministros do STF, que têm sido alvo de críticas e sanções dos Estados Unidos por conta do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.

Sobre o assunto, o BB afirmou na quinta-feira que acumula sólida experiência em relações internacionais e está preparado paralidar com temas complexos ou sensíveis que envolvem regulamentações globais.

Na quarta-feira, 20, a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, afirmou, sem citar nomes, que é “muita falta de responsabilidade” colocar em xeque a solidez e a integridade do banco.

“É muita falta de responsabilidade quando algum brasileiro vem colocar em xeque a solidez, a segurança e a integridade de uma empresa como o Banco do Brasil”, afirmou. “Que a gente não acredite em fake news. Que a gente não propague mentiras.”

Haddad critica juros bancários

Haddad destacou que, apesar da redução nas taxas de juros cobradas de trabalhadores, os valores ainda estão muito elevados e precisam ser tratados com seriedade.

“Quando o juro cai de R$ 7% para 3,5%, não há dúvida que há o que comemorar. Mas, anualizando, quanto trabalhador paga de juro? Compara com a inflação, compara com a Selic”, disse.

Segundo Haddad, o governo já está tomando providências para reduzir o spread (diferença entre o custo do dinheiro para o banco, o quanto ele paga ao tomar empréstimo, e o quanto ele cobra para o consumidor na operação de crédito).

“Os bancos sabem que o spread de juros está na agenda do governo; democratizar o crédito é importante”, afirmou, ressaltando que é preciso tirar o trabalhador da mão de agiotas e de instituições financeiras abusivas.

‘Diminuir gasto tributário não é aumentar imposto’

Na entrevista, Haddad defendeu que o ajuste fiscal promovido pelo governo Lula tem se apoiado principalmente no combate às renúncias fiscais, e não na criação ou elevação de tributos. “Diminuir gasto tributário não é cobrar de quem não paga ou aumentar imposto. Não é nada disso. Simplesmente nos recusamos a manter a renúncia fiscal no

Segundo o ministro, a estratégia foi fundamental para avançar na consolidação das contas públicas. “Em dois anos e meio, o ajuste fiscal foi feito em torno do combate às renúncias fiscais”, afirmou. Haddad ressaltou ainda o papel do Congresso Nacional na aprovação de medidas importantes, apesar das resistências.

“Bem ou mal, as pautas estão avançando no Congresso. Houve aprovação da reforma tributária, que foi a maior já feita no Brasil”, destacou.

O ministro da Fazenda afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu em 2022 um país em condições políticas muito distintas daquelas encontradas em seu primeiro mandato, em 2002. “Em 2002, Lula recebeu um país institucionalmente estável, um Congresso manejável, em que era possível conformar maioria com relativa facilidade”, disse Haddad.

Segundo o ministro, o cenário atual é marcado pela atuação de uma oposição que, em sua avaliação, não apresenta projeto de país. “Hoje a oposição bolsonarista não tem projeto para o país. O projeto deles é o país não andar, o país não evoluir”, afirmou.

Haddad destacou, porém, que não vê o Congresso Nacional como um obstáculo ao governo. “Não estou aqui criticando o Congresso Nacional como instituição. Tenho até agradecido, porque, bem ou mal, as pautas estão avançando”, afirmou.

Transformação ecológica e tecnologia

O ministro falou sobre as oportunidades do Brasil na transformação ecológica e no desenvolvimento tecnológico.

“Nós temos rigorosamente todas as vantagens competitivas. Temos o melhor vento, o melhor sol, a terceira maior reserva de terras raras e minerais críticos. É óbvio que isso vai exigir parceria, porque não temos toda a tecnologia disponível aqui, mas precisamos transformar isso em valor agregado, em emprego de qualidade, em tecnologia de ponta”, afirmou.

Haddad acrescentou que o Brasil precisa avançar na criação de empresas nacionais de tecnologia, principalmente no processamento de dados, já que hoje 60% das informações brasileiras são processadas fora do País.

“Imagina do ponto de vista de soberania, com as ameaças em curso, o que isso pode significar? Amanhã uma pessoa com viés autoritário pode querer prejudicar o Brasil”, alertou.

Leia também: BB identifica ação nas redes de bolsonaristas contra o banco e é pressionado a recorrer à PF

Leandro Silveira/Caroline Aragak/Estadão



Fonte


BB denuncia vídeo de Eduardo Bolsonaro por fake news e pede ação da AGU para evitar corrida bancária



Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados/Arquivo
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) 24 de agosto de 2025 | 10:02

BB denuncia vídeo de Eduardo Bolsonaro por fake news e pede ação da AGU para evitar corrida bancária

O Banco do Brasil denunciou à Advocacia-Geral da União uma série de postagens feitas na última semana nas redes sociais com informações falsas sobre o banco e incitando a retirada maciça de recursos por correntistas.

Segundo ofício encaminhado pelo banco, os ataques nas redes sociais começaram na última terça-feira, 19. Entre eles, há um vídeo feito por Eduardo Bolsonaro no dia 20, em que o deputado federal afirma que “o Banco do Brasil será cortado das relações internacionais, o que o levará à falência”. Eduardo tem mais de 1,7 milhão de seguidores em seu canal no Youtube.

A reportagem procurou o deputado, mas ainda não obteve resposta.

A presidente do banco, Tarciana Medeiros, reclamou publicamente desse movimento em evento no dia 20, sem citar nomes.

O BB denunciou outros autores, como o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) e o advogado Jeffrey Chiquini, que defende o ex-assessor da Presidência do governo Jair Bolsonaro Filipe Martins, com postagens, segundo o banco, difamatórias e contra a soberania nacional.

Na comunicação à AGU, os advogados alertam que esses ataques podem configurar crimes contra o Estado Democrático de Direito, contra a soberania nacional, contra o Sistema Financeiro Nacional, além de representar violação de sigilo bancário e difamação. Por isso, o BB quer que a AGU avalie a ação na Justiça para coibir a disseminação desse tipo de informação.

As postagens mencionadas foram feitas no X, no Instagram e no Threads, além de vídeos no Youtube.

“A nova estratégia consiste em coagir, ameaçar e colocar instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, notadamente o Banco do Brasil, contra o Supremo Tribunal Federal”, afirma o BB, no mesmo ofício.

A informação de que o BB havia comunicado a AGU sobre as postagens foi revelada pela Folha de S.Paulo e confirmada pelo Estadão.

‘Do dia para noite, surgem especialistas em Lei Magnitsky’

No documento, a que a reportagem teve acesso, o BB relata à AGU que a campanha pode levar à uma corrida bancária contra a instituição, em razão de entendimentos falsos e incorretos sobre a aplicação da Lei Magnitsky e as consequências para o banco.

Na semana passada, o BB cancelou o cartão internacional do ministro Alexandre de Moraes, de bandeira Mastercard, como consequência da aplicação da medida restritiva decretada por Donald Trump. No lugar, ele recebeu um cartão com da Elo, bandeira brasileira cujos acionistas são o próprio BB, além da Caixa e do Bradesco.

“O cenário de risco é que, do dia para noite, e cada vez mais, surgem especialistas em Lei Magnitsky, formados em redes sociais, que recomendam a retirada de recursos de bancos brasileiros, especialmente do Banco do Brasil, controlado pelo Estado brasileiro”, afirma o BB. “Esse raciocínio enviesado, que pode fomentar uma corrida de clientes para retirada de recursos de instituições financeiras brasileiras, sem qualquer conhecimento de causa, gera tensão em seus clientes e risco à economia nacional.”

O banco relatou que, em razão da campanha, clientes começaram a pedir “esclarecimentos pelo temor de sanções secundárias falsamente propagadas”.

No sábado, 23, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) atribuíram essa campanha nas redes sociais a bolsonaristas.

Leia também:

Mariana Carneiro//Estadão



Fonte


Famílias brasileiras usam quase 10% do orçamento para pagamento de juros



Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil/Arquivo
Comprometimento do orçamento com débitos no país é quase o triplo da média de nações desenvolvidas 24 de agosto de 2025 | 11:21

Famílias brasileiras usam quase 10% do orçamento para pagamento de juros

As famílias brasileiras comprometem quase 10% da renda apenas com o pagamento de juros, em um sintoma da baixa qualidade do endividamento do brasileiro, composto em sua maior parte por obrigações de curto prazo e taxas elevadas.

Em maio último, mostram dados do Banco Central, esse peso alcançou 9,86%, o maior da série histórica iniciada em 2005 e pouco acima do patamar atingido em 2023, quando houve o lançamento do programa Desenrola, criado para estimular a renegociação de débitos.

Atualmente, o equivalente a 27,79% da renda das famílias é direcionado ao pagamento de amortização de dívidas mais os juros —ou seja, as taxas representam mais de um terço do total.

Esse percentual é quase o triplo da média de 17 países desenvolvidos, cujos dados de dívidas das famílias em relação à renda são disponibilizados pelo BIS (Banco de Compensações Internacionais). Nos Estados Unidos, por exemplo, as famílias destinam o equivalente a 8% do orçamento ao pagamento de dívidas, e no Japão, o peso é de 7,8%.

“No mundo todo existe comprometimento de renda com dívidas. A diferença é que no Brasil a maior parte é com débitos relacionados a cartão de crédito ou empréstimo pessoal, que possuem taxas maiores”, afirma Rafael Schiozer, professor titular de finanças da FGV-EAESP.

Números do BC ajudam a explicar essa diferença. O comprometimento da renda das famílias brasileiras especificamente com o crédito imobiliário, que possui os menores juros entre as diferentes modalidades de empréstimos e é acessível a poucos brasileiros, é de apenas 2,13%.

Ou seja, o restante, ou 25,66% do comprometimento da renda das famílias brasileiras, roda a juros mais altos.

Estêvão Kopschitz, economista do Grupo de Conjuntura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), aponta que grande parte das dívidas brasileiras é formada por operações de crédito de curto prazo, que são exatamente as que possuem taxas maiores.

“Em países desenvolvidos, o endividamento das famílias é bastante voltado para pagar crédito habitacional, que tem a garantia do próprio imóvel e que não possui um peso tão grande na despesa mensal porque os juros são baixos”, afirma.

SINAL AMARELO

Os dados do BC mostram que o peso do pagamento de juros sobre o orçamento familiar teve um pico em 2023 e caiu em 2024, mas voltou a crescer do final do ano passado para cá. Essa piora no cenário tem a ver com dois fatores: uma combinação perigosa de juros mais altos e mais crédito.

Em junho, último dado disponibilizado pelo BC, a taxa média anual do crédito pessoal estava em 58,3%, o maior nível desde maio de 2023. Ao mesmo tempo, nos últimos dois anos o saldo de crédito com recursos livres (que exclui os empréstimos imobiliários) saltou 23,4%.

Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), aponta que o crédito cresceu impulsionado pelo emprego e renda mais robustos dos últimos anos.

“O que explica o crescimento do peso dos juros é o fato de que tenho emprego e renda aumentando, o que na percepção do setor financeiro reduz um pouco o risco e eleva o crédito. Isso aconteceu apesar de as taxas de juros terem aumentado”, diz.

Na avaliação dele, o Brasil vive um momento de “sinal amarelo” em relação ao endividamento. Após recuar de um pico alcançado em 2023, o calote de mais de 90 dias das pessoas físicas voltou a se elevar para 6,3%, segundo o último dado do Banco Central.

O assessor econômico da FecomercioSP é autor de um estudo que mostra que os gastos com juros dos lares brasileiros cresceram 20,5% em 2024 na comparação com o período anterior. Mas, no mesmo período, a massa de renda anual das famílias avançou apenas 3,2%.

O aumento na educação financeira é apontado pelos especialistas como necessária para ajudar a reduzir o endividamento ruim, mas não é considerada uma bala de prata.

“O Brasil precisa de mais educação financeira. Já melhorou muito, existe uma iniciativa do Banco Central, por exemplo, de educação financeira nas escolas. Mas é necessário também um comportamento individual das pessoas, de se conscientizarem de que tomar crédito de curto prazo é mais caro”, afirma Kopschitz, do Ipea.

Para Schiozer, é necessário um consumo mais cuidadoso. “Evitar o superendividamento é, em essência, ter um consumo compatível com a renda. Sou um pouco cético em relação à educação financeira como bala de prata, acho que muitas pessoas têm consciência de que estão gastando mais do que ganham. Então na verdade o que é mais necessário é uma mudança de hábitos.”

Ele cita um estudo do Banco Central que mostra que o incentivo ao crédito consignado (com desconto em folha de pagamentos) pode ter um impacto negativo no consumo de longo prazo. “Depois de dois, três anos, as pessoas tiveram uma redução de consumo muito maior do que a alta logo que tomaram crédito. É um exemplo da consequência de longo prazo do superendividamento”.

Maeli Prado/Folhapress



Fonte


Cenário de mundo dividido por Trump gera atraso na transição energética, afirma CEO da Shell



Foto: Divulgação/Shell
Cristiano Pinto da Costa, CEO da Shell Brasil 24 de agosto de 2025 | 11:41

Cenário de mundo dividido por Trump gera atraso na transição energética, afirma CEO da Shell

O tradicional estudo anual dos cenários que a Shell elabora desde a década de 1970 para embasar suas decisões estratégicas vai ser divulgado nesta segunda (25) com novas perspectivas sobre o futuro da energia no mundo. Segundo Cristiano Pinto da Costa, CEO da Shell Brasil, foi introduzido um outro cenário, contemplando os efeitos da inteligência artificial, que elevará a demanda energética.

Enquanto o presidente americano Donald Trump avança com sua política tarifária, o cenário que se destaca é aquele que a empresa chama de Arquipélagos e retrata um mundo nacionalista, com pouca cooperação global.

“No cenário Arquipélagos, em que o mundo fica um pouco mais fragmentado, confrontacional e não colaborativo em relação a políticas de transição energética, cada país passa a olhar para o seu interesse próprio versus o interesse coletivo da humanidade em migrar para uma economia de baixo carbono. Esses elementos estão exatamente acontecendo agora e se materializando no que estamos vendo na política tarifária do governo americano”, diz.

Costa afirma que, desde 2024, a Shell vem preparando um estudo dos cenários com um recorte específico para o Brasil. Segundo ele, o material será a colaboração da Shell para o debate da COP30.

Pela frente, o executivo vê a demanda por óleo e gás estabelecida por décadas, independentemente do cenário, e reitera a decisão da empresa de frear projetos de energia solar devido à saturação do mercado.

Sobre o interesse da Shell, que no último leilão não fez ofertas na bacia Foz do Amazonas, na chamada margem equatorial, ele afirma que a ideia é focar na Bacia de Santos, onde já atua.

O que os cenários da Shell devem mostrar de diferente neste ano?

Há décadas, a Shell faz cenários globais de segurança e transição energética. Não é previsão de futuro. Tentamos vislumbrar caminhos que o mundo pode tomar e testamos as estratégias de negócio em cada um desses cenários, sabendo que trabalhamos em uma indústria que tem horizonte de muito longo prazo. Em 2024, pela primeira vez, nós trouxemos um recorte específico para o Brasil. Neste ano, a Shell atualizou os cenários globais, introduzindo um terceiro.

Um dos cenários, chamado Horizontes, desenha uma curva em que o mundo atinge emissões líquidas zero em 2050 e o que precisa acontecer para que esse objetivo se materialize.

O segundo cenário é chamado Arquipélagos. Nele, o mundo fica mais fragmentado, com brigas políticas entre países, que ficam mais protecionistas. Cada um olha mais para o seu interesse próprio, seu umbigo. Como consequência, o mundo demora mais para chegar nas emissões líquidas zero.

E o terceiro cenário, que foi introduzido neste ano, é chamado Surge. Ele traz um fenômeno recente, que é a digitalização e a inteligência artificial, que está trazendo um crescimento de demanda por energia. Os data centers estão demandando muito mais energia.

Estes cenários contemplam o clamor global por redução dos combustíveis fósseis?

Todos mapeiam os caminhos possíveis para evolução, crescimento ou declínio das diferentes fontes de energia.

No cenário Horizontes, esse declínio do consumo de energia fóssil é um pouco mais rápido. Nos cenários Surge e Arquipélagos, esse declínio é mais gradual. E o que é comum nos principais pontos de todos os cenários? Primeiro: o mundo continua demandando cada vez mais energia. Segundo: todos os cenários também demonstram um aumento da participação da eletrificação como forma de energia, em velocidades diferentes.

O terceiro ponto é que a demanda por óleo e gás continua existente por décadas, independentemente do cenário, porque o mundo tem hoje uma infraestrutura e um baixo custo desse tipo de energia, que é difícil de replicar ou substituir em uma velocidade mais rápida do que todo mundo gostaria. Então, óleo e gás continuam sendo necessários por décadas. E o gás primordialmente como um combustível de transição.

O quarto ponto são as novas tecnologias. Soluções baseadas na natureza para sequestrar carbono são necessárias, complementares a energias renováveis para que o mundo acelere a transição e chegue em emissões líquidas zero.

E o último fator: um reconhecimento de que geopolítica e transformações tecnológicas podem ser grandes game changers [virada do jogo], acelerando ou desacelerando alguma das rotas.

E o ingrediente Trump e as políticas tarifárias? Como interfere no cálculo dos cenários?

Não interfere no cálculo. Os cenários foram feitos antes do fenômeno das tarifas globais.

No cenário Arquipélagos, em que o mundo fica um pouco mais fragmentado, confrontacional e não colaborativo em relação a políticas de transição energética, cada país passa a olhar para o seu interesse próprio versus o interesse coletivo da humanidade em migrar para uma economia de baixo carbono. Esses elementos, que foram identificados pela Shell no cenário Arquipélagos, estão exatamente acontecendo agora e se materializando no que estamos vendo na política tarifária do governo americano.

Eles fazem, como consequência, que a jornada de transição energética leve mais tempo para se materializar. Então, o que aconteceu com o tarifaço do governo americano atual foi identificado pela Shell como um potencial cenário dentro do Arquipélagos.

Em abril, teve uma mudança na Shell que deu mais relevância para a unidade brasileira. A ação de Trump atrapalha isso de alguma forma?

A Shell está no Brasil há 112 anos, com crescimento exponencial da operação do país nos últimos 7 a 10 anos. Com isso, o Brasil foi elevado à posição de vice-presidência executiva global, reportando direto ao comitê executivo. O nível hierárquico subiu, e eu sento hoje numa mesa global podendo representar o país e fazer uma das coisas mais importantes para mim, que é brigar por mais investimentos no Brasil.

O país é o maior produtor de óleo do grupo. É o maior produtor de etanol, via a joint venture com a Cosan na Raízen. Temos uma grande comercializadora de energia, e estamos tomando algumas posições no mercado de soluções baseadas na natureza, tentando desenvolver um negócio de crédito carbono no Brasil. Temos várias linhas de negócios.

Mas sobre o impacto, que é a tua pergunta: a princípio, são poucos, porque o petróleo foi um dos itens que ficou fora, na lista de isenções. Parte do petróleo brasileiro é exportado para os EUA, mas a maioria vai para a Ásia, China em particular, e um pouco para a Europa. O que estamos observando e ainda tentando entender é: com a mudança de tarifa em vários países, qual é a consequência na cadeia de suprimento dos fornecedores de materiais, equipamentos para os projetos no Brasil? Qual impacto isso pode vir a ter, tanto do ponto de vista de custo para os meus projetos, como prazo de entrega? Esse estudo está acontecendo. Mas a nossa análise inicial é de um impacto pouco material para as operações da Shell no Brasil.

A empresa vai ter alguma iniciativa na COP30? Como pretende contribuir para o debate?

Uma das razões pelas quais decidimos fazer pela primeira vez o recorte de Brasil nos cenários globais foi justamente para que a Shell pudesse dar ao governo e à sociedade brasileira um estudo robusto como nossa contribuição dos potenciais caminhos que o Brasil pode tomar.

Esse recorte aponta potenciais políticas públicas que o Brasil pode vir a adotar para ser um grande ator na transição energética, contribuindo, consequentemente, para o debate da COP30. Nesta segunda (25), vamos apresentar a atualização dos cenários da Shell. Estamos fazendo um estudo que aponta que o Brasil larga na frente ante a maioria das grandes economias com boa parte do dever de casa da transição energética já feito. O Brasil tem a matriz energética mais limpa do mundo. Tem potencial na área eólica e solar. Temos o etanol, o biocombustível, que é o grande combustível da transição. O nosso estudo indica o potencial de triplicar a demanda de biocombustível em 2050 quando comparado a 2020.

Tem tudo para ser um grande ator no mercado de carbono. O estudo mostra que o Brasil tem vários exemplos construtivos que podemos apresentar para o mundo na COP30 do que já foi feito aqui, que pode ser replicado.

Podemos exportar políticas públicas, com o que foi feito no biocombustível. Temos potencial para atuar como grande fornecedor de energia. Óleo e gás têm competitividade. O petróleo brasileiro produzido na bacia de Santos tem uma intensidade de carbono com CO2 emitido por barril bem abaixo da média global. Ao consumir mais petróleo brasileiro, o mundo reduz as emissões globais. O Brasil pode ser um ator em exploração e produção de óleo e gás. Já mostrou que é um grande ator em renovável. Tem o bioetanol como indústria estabelecida que pode ser exportada ainda mais e tem a oportunidade de gerar crédito de carbono. Essa é a contribuição da Shell com esse estudo nos debates para a COP30.

Há um movimento no setor de recuo dos projetos de solar e eólica. Como está esse tema na Shell?

A Shell investiu US$ 45 bilhões em soluções de baixo carbono na última década. Entre 2023 e 2025, estamos investindo entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões em soluções de energia de baixo carbono.

Recentemente, foi feita uma atualização estratégica. Em vez de abrir novas frentes e continuar investindo em novos projetos, desaceleramos um pouco os novos projetos globalmente, não só no Brasil.

Aqui no Brasil, decidimos manter o etanol como principal veículo de transição energética e de economia de baixo carbono e paramos os projetos de desenvolvimento de solar, porque o mercado brasileiro estava saturado com muito projeto, o preço da energia, muito baixo. Preferimos não investir nesse momento.

E o debate de licenciamento ambiental no Brasil? Como estão acompanhando?

De perto, como todos na indústria. O Brasil tem uma das leis de licenciamento ambiental mais robustas da indústria globalmente, o que bom. Temos acompanhado com atenção o projeto de lei, os vetos recentes do presidente. Esse debate é saudável para conseguirmos, como sociedade, achar oportunidades de otimizar ou acelerar o processo de licenciamento sem comprometer o rigor necessário para não ter violação de questões ambientais em grandes projetos.

No leilão recente, vocês não entraram na Foz do Amazonas. Levaram Bacia de Santos? Por quê?

Depois da Petrobras, nós somos o segundo maior produtor de óleo e gás. Temos ativo em produção e agora em construção no investimento de Gato do Mato [projeto em águas profundas na área do pré-sal da Bacia de Santos]. Temos a área de exploração, onde nos últimos três anos adquirimos mais de 40 blocos em parceria, em várias geografias do Brasil.

A Shell acredita no futuro geológico, no potencial para continuar crescendo o negócio de exploração e produção no Brasil. Qual foi a estratégia da companhia nesse leilão recente? Há dois anos, compramos outros blocos na bacia Sul de Santos. Estudamos essa bacia e identificamos o potencial. Nesse leilão, nossa decisão estratégica foi concentrar os esforços e recursos, pessoas e dinheiro, para comprar quatro blocos adicionais nessa área em que já tínhamos vantagem competitiva e focamos de forma bem-sucedida, porque ganhamos os quatro blocos que queríamos no leilão nessa área, deixando a margem equatorial para eventuais futuros leilões.

Foi por causa da polêmica?

Não. Foi uma decisão estratégica de concentrar numa área onde já tínhamos a competitividade, onde vemos prospectividade e queríamos consolidar. Eu não tenho recurso para bidar [fazer oferta] em todos os blocos.

Joana Cunha/Folhapress



Fonte