ALBA debate Redução da Letalidade Policial e a Proteção às Famílias das Vítimas Inocentes



A Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) promoveu, nesta quarta-feira (29), uma audiência pública com o tema “Lei Ana Luísa: Redução da Letalidade Policial e a Proteção às Famílias das Vítimas Inocentes”. O ato aconteceu no Auditório Jornalista Jorge Calmon e foi conduzido pela deputada Olívia Santana (PC do B), proponente do evento e autora do projeto de lei nº 25.771/2025. A matéria em tramitação no Legislativo baiano prevê responsabilização do Estado para garantir reparação e assistência humanizada a vítimas inocentes decorrentes de operações de segurança pública.

A audiência pública reuniu parlamentares, ativistas dos direitos humanos, autoridades, famílias de vítimas de operações policiais, representantes de movimentos sociais e de órgãos governamentais.

Conforme destacou a deputada Olívia Santana, a proposta em tramitação na ALBA tem como objetivo a discussão da política de segurança pública, considerando a necessidade de assegurar o respeito aos moradores das comunidades em toda a Bahia. “Esse projeto de minha autoria diz respeito à necessidade de o Estado baiano instituir um apoio humanitário para as vítimas inocentes que são abatidas sumariamente nos bairros populares durante operação policial”, explicou.

A parlamentar lembrou que o projeto recebeu o nome de Ana Luísa em referência à jovem de 19 anos que foi morta durante ação policial no bairro da Engomadeira, na capital baiana. “Uma estudante, filha única, que teve a vida sumariamente destruída durante a operação policial. Nós entendemos que é preciso aprimorar, qualificar, mudar completamente essa forma de enfrentamento às organizações criminosas. Há necessidade, sim, de enfrentar o mundo do crime, mas isso não pode significar a matança desenfreada como política pública, até porque esse tipo de ação só acontece nas favelas, ninguém chega em condomínio fechado”, comparou a deputada.

Olívia Santana também argumentou que seu projeto foi construído ouvindo especialistas em segurança pública e com diálogo junto aos movimentos sociais. “Esse é um projeto sério, discutido com juristas diversos, ouvimos, inclusive, figuras da Defensoria Pública, do Ministério Público. Então, é um projeto consistente, muito bem elaborado, e nós estamos, neste momento, fazendo esse debate democrático”, justificou.

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na ALBA, deputado Robinson Almeida (PT), participou do ato e externou seu apoio à proposta. O legislador se solidarizou com todas as famílias das vítimas de ações policiais e fez uma reflexão sobre o combate ao crime organizado ao longo das últimas décadas. O parlamentar defendeu uma reformulação da legislação federal para a segurança pública para estabelecer um pacto federativo dando responsabilidade aos municípios, estados e União.

Ao falar do caso específico da Bahia, Robinson Almeida recordou que as estatísticas sobre mortes decorrentes de atuação policial no estado são preocupantes. “Nos últimos 11 anos, os casos aumentaram de 300 ao ano para 1.500. Parte desse problema está na forma de atuação da polícia”, alertou. O presidente da CCJ também mencionou o plano do Governo do Estado de redução da letalidade policial. “É uma iniciativa para reduzir o número de mortes, aumentar o uso de câmeras corporais e ainda melhorar o índice de resolução dos crimes”, contextualizou.

Já o deputado Hilton Coelho (Psol) disse que a situação de mortes por policiais na Bahia “é gravíssima”. Ele afirmou que o caso registrado no Rio de Janeiro nesta semana, com mais de 100 mortes, não vai superar o quadro existente na Bahia. O legislador defendeu o fortalecimento da investigação e da prevenção como políticas de segurança pública.

DESABAFOS

A audiência pública foi marcada por pedidos de justiça feitos por familiares e amigos de vítimas de operações policiais na Bahia. Momentos antes do evento no auditório, um grupo de pessoas fez uma caminhada no Centro Administrativo da Bahia (CAB) até a portaria da ALBA com palavras de ordem e gritos por justiça.

Durante a audiência, familiares das vítimas manifestaram a dor e a indignação decorrentes das perdas em ações do aparato de segurança pública. Elisângela Silva dos Santos de Jesus, mãe da jovem Ana Luísa, afirmou que a data de 13 de abril de 2025 ficou marcada de forma trágica para toda a sua família. “Ana não foi a primeira e não será a última. O Estado precisa ser responsabilizado por tantas vidas inocentes que foram tiradas. Até hoje eu aguardo minha filha chegar da faculdade”, desabafou. 

Jucélia Reis, mãe de Caíque Reis, adolescente de 16 anos que morreu em uma ação policial no bairro de São Marcos, em Salvador, também externou o anseio por justiça. “Meu filho era um menino alegre, feliz, respeitador, barbeiro, cheio de sonhos. Infelizmente, uma policial ceifou a vida de Caíque. Ele foi executado, não foi bala perdida”, assegurou.

A família de Gabriel Silva, 17 anos, morto no último dia 5 de outubro no bairro da Engomadeira, também fez um protesto durante a audiência pública. A mãe da adolescente, Angela Maria, cobrou justiça e explicou que seu filho foi morto com um tiro nas costas. “É preto matando preto. Queremos respostas”, disse.

Selma Santana, avó de Gabriel da Silva Conceição Júnior, morto aos 10 anos no dia 23 de julho de 2023, no bairro de Portão, no município de Lauro de Freitas, registrou seu apelo por justiça. Ela relatou que a versão da polícia indicou troca de tiros. No entanto, afirmou Selma, ocorreu uma perseguição no local e Gabriel Júnior foi atingido quando estava sentado na porta de casa jogando no celular.

APOIO AO PROJETO ANA LUÍSA

Durante a audiência pública, representantes de movimentos sociais e órgãos governamentais manifestaram apoio ao projeto de autoria da deputada Olívia Santana.  Dudu Ribeiro, especialista em gestão estratégica de políticas públicas e integrante da Rede de Observatórios da Segurança Pública, afirmou que a guerra do Estado contra as drogas está ceifando vidas. “A gente teve mais um capítulo desse massacre com mais de 100 pessoas mortas pelo Estado no Rio de Janeiro”, exemplificou. 

Na Bahia, contextualizou Ribeiro, o projeto Ana Luísa representa uma contribuição no processo de humanização das famílias atingidas por casos de letalidade policial. Ele sugeriu uma alteração na redação do texto para que a reparação e a indenização sejam concedidas não somente em caso de operação, mas em qualquer ação policial. “É nas ações policiais em que mais pessoas são assassinadas”, frisou.

O promotor de Justiça Adalto Araújo Silva Júnior, coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal no Ministério Público da Bahia (MP-BA), disse que o momento atual de letalidade policial é preocupante. “Há que se reconhecer que a situação é péssima, que isso é fruto de uma estrutura racista que domina nossa sociedade. O MP-BA está atento a isso e tem se esforçado para melhorar esse quadro que estamos vivendo”, afirmou. 

Dentre as ações, o representante do órgão ministerial explicou que foi criado o Núcleo de Apoio às Vítimas de Crimes Violentos e de Especial Vulnerabilidade (NAVV). Outra ação do MP baiano, citou o promotor de Justiça, é o fortalecimento do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (Gacep). Além disso, Adalto Júnior mencionou que nos últimos dois anos houve um aumento de 300% no número de denúncias oferecidas à Justiça referentes a casos de violência policial. 

A ouvidora-geral da Defensoria Pública da Bahia (DPE-BA), Tamikuã Pataxó, chamou a atenção para a real função do Estado na vida das pessoas. “O Estado não pode ser o principal violador dos direitos humanos, ele precisa ser o acolhedor, assumir o seu papel de protetor. Ao discutir esse projeto de lei, discutimos um paradigma de segurança pública que não se baseia em número de corpos, mas em indicadores de vida, dignidade e reparação”, disse.

A pesquisadora Carla Akotirene, militante antirracista e ativista dos direitos humanos manifestou apoio ao projeto de lei e lamentou que a guerra às drogas tenha justificado a morte de negros nas comunidades. Na Bahia, frisou Carla, os dados de mortes por ações policiais são subnotificados. A professora Marina Duarte, presidente da União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro) na Bahia, disse que o projeto de lei Ana Luísa é fruto de uma luta coletiva dos movimentos sociais por políticas de segurança pública.

O debate teve, ainda, a contribuição de participantes como Daniele Costa, representando a Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi); Alex Raposo, da DPE-BA; a advogada Anhamoná Brito; o jornalista Eduardo Machado; a professora Nyokamaji Kabila Taji, liderança do Coroado/São Marcos; e Gabriela Ramos, do Instituto Odara.



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