Luta contra medicalização da educação é tema de audiência pública no Legislativo



Na manhã desta quinta-feira (13), a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) se tornou palco de um debate sobre a luta contra a medicalização da educação e da sociedade. A audiência pública, proposta pelo deputado Hilton Coelho (Psol), em conjunto com o vereador de Salvador Hamilton Assis e o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, celebrou os 15 anos de atuação do Fórum, reafirmando seu papel como um espaço de resistência e crítica social.

A mesa, composta por representantes de entidades como a Ufba, o Conselho Regional de Psicologia, o Conselho Regional de Farmácia, o Comitê Bahia da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e membros do Fórum, sublinhou a natureza complexa e interdisciplinar do tema. O deputado Hilton Coelho destacou a longevidade e a complexidade da trajetória do Fórum, que há mais de uma década se organiza em uma disputa “muito afirmativa”.

O parlamentar ressaltou que a audiência ocorre justamente no Dia Estadual Contra a Medicalização da Educação e da Sociedade, uma das “duas vitórias” que marcam momentos privilegiados para chamar a atenção da sociedade. “É a visão medicalizante que procura individualizar os problemas da educação, centralizando a responsabilidade nos próprios estudantes e nas famílias”, disse Hilton Coelho.

O deputado enfatizou um ponto crucial. “Lutar pela desmedicalização da vida não é ser contra a medicina e outras áreas da saúde, nem desconsiderar o sofrimento real”. A bandeira do movimento é tensionar a individualização de questões sociais, que são frequentemente apresentadas e tratadas como questões de “cuidado” individual. Elaine Cristina de Oliveira, membro do Fórum desde 2011 e professora da Ufba, traçou a história do movimento, nascido há 15 anos do “fruto da mobilização de profissionais, estudantes e entidades comprometidas com uma sociedade mais crítica e inclusiva”.

“O compromisso central é mobilizar a sociedade para refletir criticamente sobre como se tem entendido a aprendizagem e as diferenças”. A trajetória do Fórum, marcada pela “resistência e pela solidariedade”, resultou em ações concretas de impacto nacional. Como a Recomendação de Práticas Não Medicalizantes (2012), que é um documento interdisciplinar (Antropologia, Medicina, Pedagogia, Fonoaudiologia, Psicologia, etc.) para orientar sobre “como compreender, cuidar da queixa escolar sem sair do pensamento crítico”. Assim como, o Encaminhamento de Protocolos (2015) que são orientações sobre o cuidado em relação a protocolos medicalizantes que foram enviadas a todas as escolas públicas municipais e estaduais do Brasil. E a Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que publicou a Resolução 177, em 2015, recomendando o fim da prescrição excessiva de medicamentos para crianças e adolescentes com queixas de aprendizagem ou disciplina. Elaine destacou a principal bandeira do Fórum que é a defesa intransigente da escola pública como um espaço de formação humana, inclusão, acolhimento e valorização da diversidade. Isso se contrapõe a “qualquer tentativa de transformar problemas educacionais, sociais ou pedagógicos, em questões médicas, psicológicas, fonoaudiológicas, de caráter individual, apagando assim a complexidade da nossa existência”.

PROBLEMAS ESTRUTURAIS

A medicalização é vista pelos participantes como um sintoma de problemas estruturais. O vereador Hamilton Assis resumiu a situação. “Nossa sociedade vive uma crise profunda”. Ele trouxe à tona uma realidade alarmante. “A maioria dos profissionais da educação se automedicam pelas condições perversas de trabalho”. “Se os profissionais tivessem salário digno, carga horária adequada, teríamos excesso de medicalização? São problemas sociais que são tratados com medicalização”, disse Nanci Helena Rebouças Franco, diretora da Faculdade de Educação da Ufba (Faced). A diretora da Faced levantou a questão dos recursos e das condições de trabalho. Ela alertou que a falta de recursos para o funcionamento adequado da universidade e a precariedade das condições de trabalho na educação básica também causam sofrimento e adoecimento, que, por sua vez, acabam sendo abordados individualmente pela via da medicalização.

Denise Souza, do Comitê Bahia da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, reforçou essa ideia ao mencionar especificamente o adoecimento dos professores municipais de Salvador. A fala de Nanci reforçou que a luta do Fórum é por “mais escolas de qualidade, por mais parques, por mais praias, por mais momentos coletivos, por mais sociedade”, e por uma distribuição de riquezas que se contraponha à lógica do capitalismo que “acaba com a nossa forma de existir”. Elaine Cristina de Oliveira também chamou a atenção para outras formas de opressão que se cruzam com o debate da medicalização. Como as comunidades terapêuticas, que, segundo a palestrante, “não dialogam com a reforma psiquiátrica, princípios básicos do SUS e o controle social” e alguns projetos de lei, como o da Câmara Municipal de Salvador que autoriza o uso da Bíblia Sagrada com “motivo paradidático”, que foi citada como uma tentativa de apagar o caráter religioso e desrespeitar a diversidade religiosa em um estado laico.

A palestrante alertou. “Existem muitas formas de opressão, muitas, e a opressão também é medicalizante. Então, a gente precisa cuidar para não oprimir ao invés de cuidar”.

RACIONALIDADE

A diversidade de atuações do Fórum, composto por psicólogos, fonoaudiólogos, pedagogos, médicos, e outros profissionais, foi ressaltada por Elaine, que pontuou a presença do movimento na academia, nos serviços de saúde, e “no chão da escola”. Antônio Marcos A. Sampaio, do Conselho Regional de Psicologia, alinhou o papel do Fórum com a “psicologia crítica”, reiterando o apoio da categoria na construção de uma “sociedade mais digna e acolhedora”. Francisco P. Santos, do Conselho Regional de Farmácia, trouxe a perspectiva do uso racional de medicamentos. Ele afirmou a clareza dos riscos envolvidos com a medicalização e a importância de profissionais que tenham noção do debate para orientar pacientes sobre o uso racional dos fármacos. “A audiência demonstrou que a luta contra a medicalização é um movimento vibrante, com forte articulação social e acadêmica, que busca reverter a lógica da individualização do sofrimento e reafirmar a importância de respostas coletivas, sociais e políticas para as questões que afligem a sociedade”, definiu o parlamentar Hilton Coelho.




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